terça-feira, 23 de junho de 2009

RELATÓRIO DA PRIMAVERA

RELATÓRIO DA PRIMAVERA DO OBSERVATÓRIO PORTUGUÊS DOS SISTEMAS DE SAUDE
CHOCANTE E PREOCUPANTE
No âmbito do trabalho que realizo na Associação Amigos da Grande Idade – Inovação e desenvolvimento (www.associacaoamigosdagrandeidade.com), tive a oportunidade de ler o Relatório da Primavera 2009, publicado recentemente, que é um dos mais importantes documentos que anualmente nos permitem verificar como está o estado da saúde em Portugal. O meu trabalho foi analisar o capitulo que diz respeito ao Envelhecimento e faço hoje esta abordagem com o simples objectivo e a enorme esperança de poder despertar algumas consciências e tentar influenciar a participação de algumas pessoas e organismos que, através da sua visibilidade ou acção e do exercício das suas funções decidam contribuir para a enorme TRANSFORMAÇÃO que é necessária fazer na área do envelhecimento.
Já tinha por mais que uma vez comentado e referido que esta área, no que respeita a cuidados de saúde e apoio social, talvez fosse a que menos evoluiu ao longo dos últimos 35 anos em Portugal e que continua a contrariar a nossa corrida para nos aproximarmos dos países europeus. Ou muita gente corre ao contrário ou teremos mesmo que aprofundar as nossas preocupações porque a situação é verdadeiramente chocante.
Vejamos o que nos diz o Relatório da Primavera 2009:
Existem indicadores no Plano Nacional de Saúde relativos ao envelhecimento activo que são concretamente os seguintes:
Esperança de vida dos 65 aos 69 anos;
Auto-apreciação do estado de saúde;
Hábitos tabágicos;
Consumo de álcool;
Actividade física;
Excesso de peso;
Percentagem de indivíduos que referiu possuir incapacidade de longa duração de grau 1 (65-74 anos);
Percentagem de indivíduos que referiu possuir incapacidade de longa duração de grau 1 (75-84 anos).
Acontece que a avaliação dos resultados publicados no Relatório já mencionado é completamente negativa, ainda que isso não se assuma claramente, talvez para não ferir susceptibilidades. Para além da distância que separa os resultados existentes com as metas propostas para 2010, encontramos quase em todos uma situação verdadeiramente preocupante: pioraram em relação a nos anteriores.
Vamos verificar um a um:
Esperança de vida dos 65-69 anos
DE 2004 para 2007 aumentou 0,1 para Homens e Mulheres, o que quer dizer que este indicador traduz-se por ter aumentado pouco mais de 30 dias a esperança de vida dos Portugueses. Não seria mau, se o valor de partida fosse bom. Mas não é. O valor de partida está abaixo da média europeia e muito abaixo, nos homens na meta de 2010.
A meta a atingir em 2010 é de 20, estando em 2007 em 16,2 para Homens e 19,4 para Mulheres. Mas há um indicador perturbante: entre 2004/2006 e 2005/2007 a esperança de vida dos 65 aos 69 anos, nas diferentes regiões do País DIMINUIU, quer para Homens quer para Mulheres!
Auto-apreciação negativa do estado de saúde (65 a 74 anos)
A meta definida para 2010 é que os Homens e as Mulheres considerassem MAU ou MUITO MAU o seu estado de saúde numa percentagem de 18% e 26% respectivamente.
Os melhores valores da União Europeia a 15 em 2004 eram já de 5,1% para Homens e 3,1% para Mulheres.
Em Portugal em 2005/2006 a percentagem é de 30,4% (Homens e 44,3% (Mulheres). Incrível!
Ou seja, mais de 35% de todas as pessoas entre os 65 e os 74 anos aprecia o seu estado de saúde como MAU e MUITO MAU, enquanto que na Europa a 15, nos melhores valores temos 4% e a nossa meta em 2010 é de 22%.
Evolução do Consumo de tabaco (65-74 anos)
A meta traçada para 2010 é de 11% de fumadores Homens e 0,5% de fumadoras Mulheres.
Temos em 2005/2006, 12,1% nos Homens e 1,3% nas Mulheres. Mas a curiosidade é esta: de 1998/1999 para 2005/2006 a percentagem de fumadores diminuiu para o sexo masculino (16%) mas aumentou extraordinariamente no sexo feminino (44,4%)!
Consumo de álcool nos últimos 12 meses (65-74 anos)
Não existindo meta definida para 2010, temos como referência os melhores valores da Europa a 15 que nos indicam que 65,5% dos Homens e 31,3% das Mulheres beberam álcool nos últimos 12 meses. Em Portugal em 2005/2006 os valores são de 81,7% nos Homens e 43,7% nas Mulheres.
Pior de tudo: os valores aumentaram em relação a 1998/1999, que eram de 78,6% (Homens) e 38,7% (Mulheres)!
Actividade física (65-74 anos)
Não existem dados suficientes, havendo uma informação também nada benéfica: “a percentagem de Mulheres que afirmou não ter andado a pé mais de 10 minutos seguidos em nenhum dia da semana anterior à entrevista, aumenta com a idade”. Parece uma teoria de La Palisse quando falamos no nosso País, mas aí fica o dado.
Excesso de Peso (65-74 anos)
O numero de pessoas idosas com excesso de peso, relativamente ao período que vai de 1998/1999 a 2005/2006 AUMENTOU. Aumentou em 0,4% para Homens e 3,2% para Mulheres.
Sobre as incapacidades não existem dados. Curioso verificar que se define um indicador mas que não se implementam sistemas de avaliação…
Mas existem ainda mais situações preocupantes:
De 1999 para 2006 a prevalência de diabetes e hipertensão aumentou;
Os Indicadores sobre Saúde Mental, taxa de mortalidade por suicídio, consumo de medicamentos e recurso a consultas médicas, são todos muito graves.
E, finalmente, encontramos no Relatório uma surpresa que muito me agrada em particular: são feitas algumas considerações sobre o apoio social. Ainda que se continue com “pinças” a tratar desta área, este Relatório levanta questões que não podem nem devem ser esquecidas e que são obrigatoriamente de agendar para os próximos tempos.
Conclui-se rapidamente que o apoio social mais eficiente ou existente com esse objectivo são as pensões, os subsídios e as comparticipações que existem há algumas décadas mas que vão sendo actualizadas.
Depois e destacando o “esforço da Segurança Social” (não vá alguém reagir mal), ficamos informados que dos 25 Países da União Europeia, Portugal aparece em quarto lugar na percentagem de Idosos com mais de 65 anos que vivem na pobreza: 29% da população dessa idade tem um rendimento de 260,00 €/mês.
E ainda:
A taxa de cobertura de lares, centros de dia e serviços domiciliários para a população Idosa era, em 2007, de 11,5% (1 em cada nove idosos tem uma resposta social). Sou capaz de dizer que se tivermos em conta os Lares não fiscalizados sem alvará somos capazes de melhorar este indicador…
A qualidade das respostas é questionável e sobre isto escreve-se: “Os lares para idosos têm definido num manual, um conjunto de regras de implantação, localização, instalação e funcionamento. Todavia é interessante verificar não haver nenhuma referência de adequar o pessoal ao grau de dependência funcional dos utentes dos lares. Por outro lado faz-se referência à necessidade de um enfermeiro por cada 40 utentes, mas não é claro se esse enfermeiro deverá permanecer em horário completo ou apenas em regime de chamada. Nesse manual, nada é referido relativamente ao médico.”
O Relatório poderia ir mais longe nesta área. Poderia concluir que existe um despacho que determina as tais normas de implantação, localização, instalação e funcionamento dos lares que não é válido juridicamente, na medida em que existe em função de um decreto-lei já revogado e que não menciona esse despacho. Poderia pôr em causa o sistema de comparticipação que determina valores mais altos para a institucionalização de idosos em lares do que para mantê-los no seu domicílio, contrariando todas as instruções e recomendações da OMS. Poderia também observar que esta área cruza dois ministérios (Saude e Segurança Social), cujos serviços no terreno estão de costas voltadas, sendo causa de acontecimentos anormais como o lançamento de programas de um dos sectores completamente “DESCRUZADO” com outras situações do conhecimento do outro sector. Um exemplo? Aqui vai um deles: o lançamento do programa saúde oral para idosos (SAUDE) quando o que temos nos lares e domicílios são idosos carregados de feridas, por imobilidade e com necessidades primárias como hidratação e higiene (SOCIAL). Outro exemplo: lançamento do programa AVC VIA VERDE (SAUDE) sem que o programa seja conhecido em nenhum lar do País (SOCIAL) podendo evitar-se algumas centenas de imobilidades crónicas se o programa fosse divulgado nessas instituições. Poderíamos, de facto, aprofundar mais algumas faces negras da área do envelhecimento em Portugal. Mas isso não serve para nada. O importante é começarmos todos a caminhar na mesma direcção. È conseguirmos entendimentos e parcerias entre duas áreas sem as quais nada se conseguirá atingir, é percebermos que estamos do mesmo lado e temos que fazer manuais com a participação de equipas multidisciplinares, onde os diversos profissionais com os seus variados conhecimentos possam ter uma palavra a dizer. O trabalho nesta área tem que ser intersectorial e não pode continuar com uma abordagem exclusivamente social ou exclusivamente de saúde. Os Cuidados continuados são um exemplo desta nova atitude mas tem que ser muitíssimo aprofundados nesta partilha de recursos e conhecimentos.
Estou imensamente grato a este magnifico grupo de personalidades relevantes que editou o Relatório da Primavera. Pela primeira vez sinto que existe preocupação com o sector onde desenvolvo a minha actividade profissional. Começo a sentir-me mais acompanhado e por isso mais feliz, especialmente porque a companhia neste caso é boa.
Precisamos com urgência de um grupo nacional de trabalho para este sector, de uma Unidade de Missão, de uma forma qualquer de podermos determinar o nosso próprio futuro com qualidade.
Termino com a transcrição da síntese sobre o Envelhecimento publicada no Relatório que pode ser consultado, na sua totalidade, no site da Associação Amigos da Grande Idade em SERVIÇOS (Consultadoria).
“SINTESE: Pode-se afirmar que estão definidas um conjunto de estratégias vocacionadas para dar resposta às necessidades de cuidados aos idosos, ainda que as mesmas sejam múltiplas, complexas e difíceis de integrar. Por outro lado, foram definidos indicadores e metas a atingir no período 2004-2010. De forma genérica, constata-se uma evolução favorável em alguns desses indicadores, mas sempre bastante distantes das metas traçadas. Em alguns outros a evolução é desfavorável (e.g., consumo de determinado tipo de medicamentos, polimedicação). Por sua vez, as respostas sociais tem vindo a aumentar, todavia estão muito longe de corresponder às reais necessidades. A título de exemplo os idosos portugueses permanecem como os quartos mais pobres da União Europeia; os lares de idosos são insuficientes e com qualidade não sujeita a avaliação, principalmente no que concerne à capacidade de resposta à dependência crescente nos Idosos. Por ultimo uma referência para os indicadores da violência sobre os idosos, os quais tem vindo a sofrer um grande incremento, o que denuncia uma realidade, ainda mais preocupante por se abater sobre pessoas vulneráveis.”

Rui Fontes

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